Legado das Águas
Há alguns meses vivi uma experiência diferente no Legado das Águas e gostaria de compartilhá-la com vocês por causa de um motivo muito nobre: conscientização e conservação. Em maio de 2017, participei de um evento teste em um local chamado Legado das Águas, situado na Reserva Votorantim, Tapiraí, São Paulo. O evento era um workshop sobre orquídeas, ministrado pelo Biólogo Luciano Zandoná.
Bom, antes de mais nada, este texto é sobre muitas coisas, menos sobre o workshop sobre orquídeas. Prefiro pensar que este é um relato de uma pessoa acostumada com a cidade grande que, mesmo vivendo em um local com muitas plantas, queria passar por uma experiência diferente das vividas no dia a dia.
Estava eu de férias, querendo bater perna por algum local onde pudesse respirar um pouco daquele viciante ar de floresta. A oportunidade surgiu com uma postagem que por acaso vi no Facebook sobre o tal do workshop. Olhei no mapa, vi a distância e me animei: não era muito longe para uma viagem de final de semana, apenas uns 300 km de Curitiba.
Inscrição feita, deparei-me com o primeiro problema. O workshop começava no sábado cedo. Para chegar no sábado cedinho, teria que sair muito cedo de Curitiba, afinal, seria uma viagem de pelo menos 4 horas. Questionei os organizadores sobre a oportunidade de ir na sexta à tarde e fui prontamente atendido. Foi então que pensei: “Bacana, duas noites no meio do nada ao invés de uma!”. Claro que o desconhecido faz nossa imaginação aflorar e pensei de tudo um pouco, afinal, estamos falando de um local que realmente fica incrustado no meio de um restinho de Serra do Mar, mas estava muito animado com a experiência.
Enfim, peguei a estrada seguindo as direções que me passaram, imaginando chegar no final da tarde de sexta no local. De certa forma, meu cálculo foi correto, cheguei à reserva no final da tarde. O que errei foi o fato que, uma vez dentro da reserva, eu teria que andar mais 40km em estrada de pedra/terra até à base do Legado das Águas. Claro que isto não seria problema nenhum, mas a Mãe Natureza resolveu me desafiar a colocou uma tempestade ameaçadora se aproximando no horizonte. Tempestade, noite, estrada de chão, meio da floresta: pensei que não seria uma boa me perder ali logo no meu primeiro dia. Fui em frente, torcendo para chegar antes da tempestade.
No fim, deu tudo certo. Foi extremamente prazeroso andar no meio da mata, passando por rios, represas – foram 4 no caminho à base. Em todas você passa por pontes que te dão uma visão bem ampla das barragens. O caminho passa por algumas vilas que abrigam os funcionários – e suas famílias – das usinas quando estão em serviço no local. Tudo simples mas muito organizado. A estrada é boa e mais uma coisa me chamou a atenção: a sinalização. Por todo o caminho há placas avisando da presença de antas na região. Porém, algumas placas são pretas, com a imagem de uma anta branca. Na hora não entendi o motivo, mas depois veio a explicação: há uma anta albina no parque. Nada mais justo que a sinalização indique isso, oras!
Enfim, 40km depois, cheguei à base, estacionei o carro, entrei no alojamento para procurar o pessoal e BUM!, eis que a tempestade desabou com força. Em poucos minutos acabou a energia. A situação de isolamento e quietude, além da momentânea ausência de energia, resultou em uma sensação de paz que não lembro de ter sentido anteriormente. É uma situação que a grande parte das pessoas não está acostumada. Hoje somos bombardeados por todo tipo de estímulos modernos, principalmente eletrônicos. Estar no meio da Serra do Mar, contemplando a mata e a montanha, observando e escutando a chuva, respirando um ar muito mais puro, faz muito bem. E assim fiquei até a hora de me recolher ao alojamento, sem antes provar uma jantinha mais do que caprichada que já estava pronta no refeitório quando cheguei.
No dia seguinte acordei cedo, antes dos demais, e fiquei zanzando pela base. A sensação ao andar ali, em meio a mata, com a luz do dia, é indescritível. A mesma sensação de paz que tive na noite anterior é acrescida de outra difícil de explicar, mas que remete muito ao sentido de nossa existência. É impossível ficar indiferente àquilo e não pensar na vida como um todo, e no sentido de tudo. A amplitude da natureza nos faz perceber o quão pequenos somos, sensação essa que não sentimos, ou pelo menos eu não consigo sentir, mesmo estando na selva de pedra da cidade. Confesso que bate uma vontade de largar tudo e viver em meio à natureza, infelizmente interrompida pela razão e o fato que tenho responsabilidades que não posso abrir mão.
Minha primeira parada foi ao lado do refeitório, onde os passarinhos faziam a festa comendo as frutas colocadas ali para eles. Fotografei, filmei, observei e apreciei o espetáculo. Continuei minha caminhada e fui ao complexo de estufas onde os pesquisadores fazem a reprodução de mudas de espécies locais para reintrodução na natureza. Tudo muito organizado, que me fez ter vergonha do meu pobre orquidário em casa. Em uma das estruturas há um telhado verde, onde várias espécies estão plantadas e contribuem para a neutralização dos efeitos da construção abaixo, além de deixar o ambiente dentro dela muito mais agradável. Ao lado do complexo de estufas está um dos focos de meu interesse: o orquidário do local. Uma estrutura muito bem bolada, bastante úmida, onde várias espécies de orquídeas repousam como objeto de estudo ou aguardando reintegração na mata. Um espetáculo! Não fiquei muito por ali, afinal, não sabia até onde poderia explorar sem supervisão.
Voltei ao alojamento e, após um belo café da manhã, andei mais um pouco pelo Legado em busca de alguns participantes perdidos no caminho. Por fim, voltamos à base, conheci todos os participantes do workshop e lá fomos nós para o evento em questão. Como disse, o foco deste texto não é o workshop em si, mas não posso deixar de comentar o quão proveitoso foi. Ouvir as experiências de quem convive diariamente com orquídeas, lutando por sua preservação, é uma grande lição de vida. Enfim, para resumir, é claro que a parte teórica da coisa valeu muito. Além do material exposto em sala, fizemos um passeio pelas instalações e pude ver com mais detalhes aquilo que havia sondado logo cedo pela manhã, desde o viveiro de mudas até o orquidário.
Na hora do almoço, mais uma bela refeição. Em seguida, voltamos às atividades do workshop. Após mais uma parte teórica, novamente fomos ao orquidário e tivemos uma aula in loco sobre as plantas, além de uma análise sobre o mal que a retirada indiscriminada das plantas de nossas florestas ocasiona em nossos biomas. Além disso, pudemos aprender bastante sobre a reserva em si, como é feita a conservação do local, como são direcionados os estudos ali na reserva, como é feita a interação entre natureza e os humanos que ali habitam. Uma aula sensacional de consciência e conservação, além de respeito à natureza e sua magnitude.
Jantei, conversei um pouco com o pessoal e me recolhi para dormir. Na minha mente já havia um plano: acordar mais cedo e filmar a passarinhada que logo cedo se deliciava com as frutas que ficavam próximas à cozinha. Dito e feito, acordei cedinho, ainda com aquela névoa de serra pairando no ar, posicionei a câmera e deixei a natureza fazer sua parte. O resultado é este:
O dia seguinte foi voltado ao deslumbre das belezas naturais do local. Ao contrário do dia anterior, que alternou entre períodos nublados e de chuva, o domingo estava com um sol esplendoroso. Aproveitei para conhecer um ponto muito interessante do Legado, a Trilha Poço do Cambuci. A trilha é destinada à observação de animais e plantas, sendo que após cerca de 800 metros visitante encontrará um pequeno poço de captação de água. Na trilha é possível ver uma grande variedade de orquídeas, além dos rastros das antas que habitam o complexo. Para tornar a visita mais interessante, havia a missão de replantar algumas orquídeas resgatadas no parque. Dei sorte, pude fazer o ciclo completo: achei uma árvore caída com uma e pude realocá-la em uma árvore próximo ao local onde ela estava originalmente.
Aqui, abro um parênteses para um detalhe que faz toda diferença: os sons da natureza. A variedade de sons proveniente da mata era imensa e, ao mesmo tempo, relaxante. Soma-se a isso o oxigênio limpo que estava respirando e temos uma provável definição da palavra paraíso.
Almocei e fui para a última parte da aventura: um passeio de barco pelo rio Juquiá. Não esperava por esta parte da aventura e curti bastante. Descemos até o rio e após uma breve explicação de segurança, lá fomos nós. O intuito ali era ver a mata intocada e suas árvores centenárias (e gigantescas). Claro que foi possível ver orquídeas no caminho, além de vários animais. Mas o grande barato foi realmente o passeio. A imensidão do rio naquele ponto por causa da represa logo adiante nos faz pensar na imensidão dos elementos na natureza e como somos pequenos neste imenso universo. A reflexão é profunda e prazerosa. Terminamos o passeio em uma pequena cachoeira, mas não entramos no rio porque naquele momento já estava novamente nublado e chuvoso.
Voltamos à base e aí já era o momento de dizer adeus. Depois de dois dias de muito aprendizado e contato com a natureza, era hora de partir. Algo certamente havia mudado em mim após aquela experiência, apesar de, no momento, não saber ao certo o que era. Peguei novamente os 40km de estrada até a rodovia e fui pensando. No caminho, parei em uma das represas para registrar algumas fotos. Novamente o Sol estava presente, a tarde estava linda. Aquele ar, aquela paz, aquela vista. Não queria sair dali. Mas fui em frente. Saí da reserva e pouco antes de Juquiá a natureza ainda me presenteou com uma composição e cores que há tempos não via, um belo entardecer com a Lua já visível de dia.
Fui para casa satisfeito. E mais, estava tentado a ajudar de alguma forma no projeto do Legado. Ainda não sei como nem quando, mas certamente vou querer ajudar de alguma forma a conservação deste pedaço de paraíso.
Se quiser saber mais sobre o local, acesse legadodasaguas.com.br
Abraços!